Os últimos 30 dias foram intensos para Marina Dias. A paulista de 39 anos, que nunca havia competido fora do país, participou de duas etapas da Copa do Mundo de paraescalada, sendo a primeira brasileira a disputar um torneio internacional da modalidade. A estreia, no fim de maio, veio com uma medalha de ouro em Salt Lake City (Estados Unidos). Na semana passada, em Innsbruck (Áustria), ela conquistou o bronze.
Para competir em Salt Lake City e Innsbruck, Marina teve licenças e inscrições pagas pela Associação Brasileira de Escalada Esportiva (ABEE) e obteve parte da verba de viagem por meio de um programa de amparo ao esporte amador da prefeitura de Taubaté (SP), onde vive. A outra parcela foi custeada com recursos próprios. Antes da ida à Áustria, ela chegou a fazer uma “vaquinha online” para auxílio nas despesas (passagem aérea, transporte terrestre, alimentação e estadia), avaliadas em quase R$ 16 mil, arrecadando cerca de R$ 3,5 mil.
Diferentemente da escalada, que entrou no programa olímpico nos Jogos de Tóquio (Japão) e foi mantida para Paris (França), em 2024, a paraescalada (ainda) não faz parte do movimento paralímpico, o que atrapalha a busca por suporte financeiro. A modalidade é cotada para ingressar na Paralimpíada somente a partir de 2028, em Los Angeles (Estados Unidos).
“Acho que a partir do momento que [a paraescalada] virar paralímpica, a gente terá mais visibilidade e suporte. Dependerá muito da quantidade de atletas que disputam o circuito mundial. Especialmente nos últimos [dois] anos, por causa da covid-19, não houve um número muito grande de atletas. Espero que isso seja levado em conta. A minha ida para as competições têm esse lado, também. Sei que, com mais atletas competindo, aumentam as chances da paraescalada se tornar uma modalidade paralímpica e contribui para a consolidação da escalada na Olimpíada”, afirmou Marina, à Agência Brasil.
Desde 2009, Marina tem o lado esquerdo do corpo afetado pela esclerose múltipla, uma doença degenerativa. Ela costumava correr, mas as dores a fizeram buscar outra atividade física e a levaram à escalada. A paixão foi imediata.
“Eu sei como pode ser difícil, às vezes, você criar coragem para ter uma vida ativa quando seu corpo não está obedecendo. Existem vários estudos que mostram que a prática de uma atividade física faz bem a pessoas com esclerose múltipla e tendem a diminuir a progressão da doença. Então, a escalada não é só um esporte, é um estilo de vida. A gente escala, treina no ginásio, mas também escala na natureza. Com a escalada, consigo ter esse estilo de vida mais saudável, que me leva a lugares lindos e fazem bem à saúde”, explicou.
Marina começou a competir em 2020, pouco antes da pandemia, passando a conciliar treinos mais intensos com o trabalho. Ela também é professora do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em São José dos Campos (SP), município vizinho a Taubaté.
“Eu trabalho [na universidade] o dia inteiro e só treino à noite, o que, se você comparar com um atleta profissional, não é suficiente. Se a escalada virar paralímpica, acho que terei que negociar uma redução de jornada, alguma coisa assim, para me dedicar mais aos treinos [risos]. Tenho bastante persistência, acho que é um ponto positivo para mim”, disse a paulista, que é doutora em Engenharia Química.
A participação em torneios nacionais credenciou Marina a representar o Brasil em competições fora do país. Além da oportunidade inédita de enfrentar rivais do exterior, ela teria o desafio de encarar paredes maiores do que as que estava acostumava a escalar. A do ginásio onde treina, por exemplo, tem nove metros, metade da altura que teve que subir em Salt Lake City.
“A gente quase não tem ginásios assim no Brasil, então treinei para ganhar resistência e conseguir chegar ao fim. Acredito que as atletas que enfrento estejam acostumadas a esse tipo de parede. Quando cheguei lá, procurei treinar em algum ginásio para, ao menos, por a mão nas agarras [peças fixas que escalador utiliza para subir], pois elas são diferentes das que estamos acostumados. A gente precisa saber onde ela é boa e terá segurança. No fim, acho que os preparativos deram certo e ganhei a medalha”, recordou.
A competição em Innsbruck foi a última de Marina em 2022. Ela ainda pretendia disputar a etapa de Villars (Suíça) da Copa do Mundo, em julho, aproveitando que estava na Europa, mas a questão financeira pesou. O calendário do ano que vem ainda não foi divulgado, mas o principal evento da paraescalada será o Campeonato Mundial, em Berna (Suiça), entre 1º e 12 de agosto. A paulista espera estar lá para, quem sabe, repetir o feito de Raphael Nishimura, atual presidente da ABEE e primeiro brasileiro a subir ao pódio na competição com a medalha de prata na edição de 2012, em Paris.
Modalidade
A paraescalada tem quatro classes, todas com subcategorias em que os atletas são distribuídos pelo grau da comorbidade – quanto menor o número, maior o comprometimento. A classe RP reúne escaladores com deficiências que impactam alcance e força e é dividida em RP1, RP2 e RP3 (na qual Marina compete). Na classe B (do inglês blind), estão os atletas com deficiência visual, que podem contar com o apoio de um guia (que os orienta por meio de um fone), separados em B1, B2 e B3. Já as classes AL e AU, respectivamente voltadas a esportistas com limitações nos membros inferiores e superiores, possuem duas subcategorias cada.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues
Fonte: EBC Esportes
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