Ao rejeitar o pedido de criação do partido de Marina Silva, a relatora do processo, ministra Laurita Vaz, afirmou que é “inconciliável” o pedido para que fossem validadas 95 mil assinaturas rejeitadas, pleito de Marina e seus correligionários. Ela explicou que a ex-senadora deveria ter questionado as anulações diretamente nos cartórios.
“É inconciliável o requerimento da requerente de que se procedesse o reconhecimento das assinaturas por presunção”, afirmou a ministra.
Ainda segundo Laurita Vaz, cabia ao partido comprovar a validade das assinaturas e não aos cartórios. “Não há como admitir que a falta de uma oportuna verificação pelo próprio partido das 95 mil assinaturas perante cada cartório esteja suprido nos presentes autos. Isso porque incumbe ao responsável pelos partidos a verificação dos motivos do acolhimento parcial das assinaturas”, completou.
Em uma espécie de afago, a ministra Luciana Lóssio ressaltou o filtro ético diferenciado e a busca da lisura mostrados pela Rede, postura já exaltada no parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE). Segundo Lóssio, são esses princípios que devem sempre nortear um partido político. Ainda assim, a ministra votou contra o pedido de registro justificando que a lei exige um requisito objetivo, que é o número mínimo de assinaturas.
“É importante aqui ressaltar o estado de direito. Nós juízes somos obrigados a obedecer a ordem posta. Não há como ir de encontro ao voto da relatora”, disse Luciana Lóssio.
Os ministros João Otávio de Noronha, Henrique Neves, Marco Aurélio Mello e a presidente do TSE, Cármen Lúcia, também rejeitaram o pedido de registro.
“Vergonhoso casuísmo”
O único voto a favor da criação da Rede partiu do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e que foi convocado de última hora para substituir o ministro Dias Toffoli. Mendes relembrou o caso da liminar concedida por ele mesmo e que suspendeu a tramitação de um projeto que inibia a criação de novos partidos.
O texto tentava impedir que parlamentares que mudassem de partido no meio do mandato transferissem para a nova legenda parte do Fundo Partidário e do tempo de propaganda no rádio e na TV da sigla de origem. O projeto, que acabou sendo derrubado após a liminar, foi apelidado de anti Marina Silva.
“Essa votação só não ocorreu, o que seria uma vergonha para esse País, por uma liminar por mim concedida. Vergonhoso casuísmo. O tribunal indeferiu o mandado de segurança. O próprio debate que se travou no tribunal inibiu, envergonhou a desfaçatez dos que queriam aprovar. É preciso contextualizar a discussão que estamos fazendo”, disse o ministro elevando o tom de voz.
Gilmar Mendes também criticou a estrutura da justiça eleitoral, em especial a forma com os cartórios verificam as assinaturas. “Essa contagem de assinaturas e verificação de firma é de um Brasil do passado. Nos obriga a dizer: vamos atualizar essa Justiça e informatizar esses cartórios”, afirmou, destacando ainda que assinaturas de apoio à Rede de pessoas públicas foram rejeitadas.
“A própria mídia já mostrou, casos notórios de fundadores do partido e pessoas nacionalmente conhecidas que tiveram assinaturas invalidadas, o que mostra a precariedade do serviço prestado pelo cartório”, acrescentou.
Questão aritmética
O advogado da Rede e ex-ministro do TSE, Torquato Jardim, rebateu os argumentos ventilados por ministros da Corte de que a rejeição do registro à legenda seria uma questão aritmética. Segundo Jardim, a Rede conseguiu estabelecer diretórios regionais em 16 Estados e coletou mais de 900 mil assinaturas. Para dirimir possíveis dúvidas, a sigla rejeitou, por iniciativa própria, mais de 200 mil que não contavam com dados completos, e disse ter entregado aos cartórios eleitorais mais de 660 mil assinaturas.
Segundo o TSE, apenas 442 mil assinaturas foram consideradas válidas, abaixo portanto das 492 mil exigidas por lei. Porém, de acordo com a Rede, 95 mil assinaturas foram checadas e teriam sido rejeitadas pelos cartórios eleitorais sem qualquer justificativa.
Segundo servidores do TSE, um dos motivos para essa rejeição é o fato de que eleitores que não votaram e não justificaram a ausência na última eleição não constam dos registros eleitorais. Por isso, suas assinaturas não seriam computadas. O advogado da Rede rebateu essa justificativa. “O que a lei exige é eleitor, não eleitor em dia com suas obrigações eleitorais”, afirmou Torquato Jardim.
Morosidade dos cartórios
O advogado também criticou a morosidade da Justiça Eleitoral. Segundo Jardim, 56% dos cartórios não cumpriram o prazo legal de 15 dias para conferir e liberar as assinaturas. “Nesse ambiente, não pode um órgão subverter a estrutura constitucional. É inadmissível que num ambiente de exercício pleno da democracia, possa um Estado restringir um direito em razão de sua má gestão”, disse.
Para o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, a acusação de morosidade não tem fundamento. Segundo Aragão, a questão fundamental é que a Rede não conseguiu o número exigido de assinaturas e criticou até a forma como é feita essa coleta, geralmente em lugares públicos onde as pessoas estão distraídas e sequer assinam a ficha de apoiamento da mesma forma que no título de eleitor.
“Não seria razoável exigir que cada assinatura rejeitada fosse motivada. Se já se está a reclamar da morosidade dos cartórios, imagina se cada rejeição tivesse que ser motivada. É questão extremamente complexa. O fato é que todos os partidos que pediram registro aqui no TSE passaram por isso. Aqui se trata com absoluta isonomia a todos os partidos políticos. Não é um demérito à Rede Sustentabilidade”, acrescentou.
Da mesma forma que já havia feito em seu parecer, Eugênio Aragão voltou a instar Marina Silva que não desista de se candidatar nas próximas eleições por causa da rejeição à sua legenda. “Partido não é criado para concorrer a um pleito apenas. Partidos se destinam à formação da vontade política. O Ministério Público faz votos para que
isso seja conquistado, fortalecendo a democracia”, disse o procurador.