Passados quase sete anos e meio da tragédia em Mariana (MG), quatro famílias receberam as chaves de suas casas reconstruídas. Elas deverão ser, nos próximos dias, os primeiros moradores vivendo na nova comunidade de Bento Rodrigues, anunciou André de Freitas, presidente da Fundação Renova, entidade que administra o processo de reparação dos danos causados em decorrência do rompimento da barragem da mineradora Samarco.
“Nesta semana, começamos o processo de entrega de chaves. É um marco para a reparação”, disse nessa quinta-feira (27), durante webinário de apresentação do relatório final do Painel do Rio Doce, uma consultoria administrado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e formada por especialistas nacionais e internacionais. Contando com recursos doados pela Fundação Renova, eles realizaram estudos e elaboraram recomendações para o processo de reparação..
O rompimento da barragem ocorreu em novembro de 2015, deixando 19 mortos e causando impacto a dezenas de cidades mineiras e capixabas na Bacia do Rio Doce. Em Mariana, dois distritos foram arrasados: Bento Rodrigues e Paracatu. Um acordo para reparação dos danos foi firmado em março de 2016 pelo governo federal, pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, pela Samarco e por suas acionistas Vale e BHP Billiton. A partir dele, foi criada a Fundação Renova, responsável por gerir as medidas previstas, entre elas a reconstrução e o reassentamento das comunidades.
A demora na entrega das obras é um dos assuntos relacionados com a reparação que levaram o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a recorrer às esferas judiciais: está sendo cobrada da Samarco uma multa de R$ 1 milhão por dia, contado a partir de 27 de fevereiro de 2021, último prazo fixado pela Justiça para a entrega do reassentamento. Crítico da atuação da Fundação Renova, o MPMG também já pediu a extinção da entidade por entender que ela não tem a devida autonomia frente às três mineradoras.
Conforme mostrou a Agência Brasil em novembro do ano passado, o novo distrito de Bento Rodrigues pouco lembra a comunidade que foi arrasada pela lama. Na plataforma Google Street View ainda é possível passear virtualmente pelas ruas existentes antes da tragédia: notam-se casinhas simples de um pavimento, horta no quintal, galinheiro no fundo da casa, poucos muros e muito verde.
Já o distrito que está tomando forma conta com imóveis maiores e de padrão construtivo mais elevado, cercados por muros, alguns com churrasqueiras e piscinas, que dão ares de um condomínio urbano e se distanciam da paisagem de uma comunidade rural. “Não se garantiu a preservação do modo de vida das famílias. Era uma comunidade rural e agora eles não terão nem água bruta para plantar suas hortas e para criar pequenos animais. Irão viver em um loteamento urbano. Como é que o pessoal vai se reativar economicamente?”, questiona Rodrigo Pires Vieira, coordenador da Cáritas em Mariana, entidade que presta assessoria técnica aos atingidos.
Bento Rodrigues e Paracatu estão sendo reconstruídos em locais escolhidos por meio de votação dos próprios moradores. Coube à Fundação Renova adquirir os terrenos. No caso de Bento Rodrigues, o cronograma original das obras previa a entrega das casas em 2018. Mas foi somente em 2018 que a Fundação Renova aprovou o projeto urbanístico junto aos atingidos, e os trabalhos tiveram início. Dessa forma, as estimativas mudaram algumas vezes até que a entidade parou de divulgar datas e o MPMG decidiu judicializar a questão.
De acordo com a Fundação Renova, 189 famílias devem ser reassentadas em Bento Rodrigues. Até o momento, 119 residências foram concluídas. Há casos judicializados, por falta de entendimento entre os atingidos e a Fundação Renova. Em Paracatu, 72 famílias e 46 residências estão prontas.
A Fundação Renova sustenta que o caráter participativo e o desenvolvimento de projetos customizados tornam o processo mais lento. Também aponta que a pandemia de covid-19 causou desaceleração dos trabalhos. “É muito tempo. São mais de sete anos. Fazendo uma autocrítica, a Fundação Renova, em alguns momentos, poderia ter feito melhor. Mas também devemos reconhecer que o processo foi desenhado de maneira que privilegiou outras questões e não a temporal”, disse André de Freiras.
A Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues e a Cáritas avaliam que o processo participativo não justifica os atrasos e afirmam que ela é limitada, existindo diversas fases do projeto definidas exclusivamente pela Fundação Renova. “O primeiro prazo era 2018, o segundo, 2019, e nós já estamos em 2023. E agora que está entregando quatro chaves. Temos nesse processo muitas violações de direitos”, diz Rodrigo.
Mudança
Os atingidos fizeram em 2016 um pacto coletivo para que todos se mudassem juntos, apenas quando as obras estiverem 100% concluídas. No entanto, Mônica dos Santos, integrante da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, critica a inexistência de uma previsão sólida para a entrega de todas as casas e considera que a Fundação Renova criou uma situação onde não é mais possível a manutenção do acordo.
“A propaganda que ela faz é gigantesca. E o tempo que a gente está nessa espera é angustiante. Eu fico muito feliz pelas famílias que receberam a chave. E, ao mesmo tempo, é um momento de tristeza pelas pessoas que não puderam se mudar. Nesses quase oito anos, 52 pessoas da comunidade faleceram. E a gente fica com esse medo. Quem será o próximo? Será que eu vou conseguir ver a conclusão da minha casa? Será que eu vou ter o gostinho de mudar para minha casa? Então é muito complicado hoje falar em esperar para que todos se mudem”, diz ela.
No fim do ano passado, a Fundação Renova anunciou que estaria pronta para realizar a mudança dos primeiros moradores em janeiro deste ano. Segundo a entidade, os equipamentos públicos já estavam concluídos. A última estrutura finalizada foi a Estação de Tratamento de Esgoto. Até o início das aulas na escola, já havia previsão: fevereiro de 2023. A entrega das primeiras chaves apenas em abril é, para Mônica dos Santos, mais um capítulo da lentidão dos trabalhos. Ela conta que se sente retaliada por criticar a atuação da entidade.
“Essas primeiras famílias vão se mudar para um canteiro de obras. Porque a Fundação Renova não tem a mesma tratativa com todos, não dá isonomia no tratamento. Até a presente data, a minha família não tem o projeto sequer finalizado. Não é porque eu não quis terminar. E não há previsão. Ninguém sabe quando a Fundação Renova vai se sentar com as famílias que ainda não têm projeto ou terreno”.
Fonte: EBC GERAL
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