Agricultura e clima – a fome em jogo

Amarante
Não é notícia, mas uma tragédia de proporções inimagináveis acontece ao nosso redor. Em silêncio, 1 bilhão de pessoas passam fome diariamente. Enquanto alguns jogam comida fora, milhões morrem de causas relacionadas à falta de alimento. Na GrãBretanha, cerca de um terço da comida é desperdiçada – o que equivale, em valor, à metade dos produtos alimentícios importados por todo o continente africano durante um ano. A fome é resultado de um fracasso da política, não da produção. A maior parte dos países em desenvolvimento descuidou de sua agricultura, minguando os investimentos no setor.

Por sua vez, os países ricos contribuíram duplamente para agravar o problema. Entre 1980 e 2006, eles reduziram drasticamente a ajuda internacional à agricultura dos países mais pobres, uma queda de 58% no período. Entretanto, não aplicaram a mesma regra internamente, ao contrário: protegeram seus próprios produtores, oferecendo-lhes enormes subsídios, que alcançaram 300 bilhões de dólares por ano – três vezes mais do que o valor da ajuda internacional – inviabilizando, assim, a concorrência dos produtores dos países em desenvolvimento.

Apoiar a agricultura familiar nos países em desenvolvimento e, concomitantemente, reduzir os subsídios aos produtores rurais dos países ricos podem contribuir para resolver o problema, tendo em vista que grande parte da fome mundial está concentrada no campo. Espera-se que os formuladores de políticas públicas, bem como os políticos, façam mais do que o feijão com arroz na esfera agrícola.

Eles podem implementar medidas que protejam os mais pobres das consequências da elevação dos preços dos alimentos como fizeram em 2008 ou de outros fatores que conspirem para que famílias passem fome. O programa Oportunidades, desenvolvido pelo México, e o Bolsa Família, do Brasil, constroem a resiliência de famílias mais pobres, amenizando os choques causados pelo desemprego repentino ou pelo aumento brusco de preço dos alimentos.

Acabar com a fome é meta perfeitamente alcançável se os políticos enfrentarem as elites e os grupos que defendem interesses de alguns em detrimento dos da maioria. Mas eles não o fazem. Os lobbies agrícolas bloqueiam iniciativas de liberalização da agricultura nos países ricos mesmo com evidências de que os subsídios representam desperdício grotesco do dinheiro do contribuinte.

Ironicamente, iniciativas de proteção social são rejeitadas pelas elites com os argumentos de que elas promovem a dependência dos mais pobres e o aumento dos impostos. Mas, se continuarmos como estamos, o que é uma tragédia hoje se tornará uma catástrofe amanhã. Até 2050, o crescimento da população, concentrado nos países mais pobres e com menores condições de garantir a segurança alimentar de sua população, adicionará mais 2,5 bilhões de pessoas ao planeta. Ao mesmo tempo, as populações dos países emergentes, uma vez mais ricas, consumirão mais, aumentando a demanda por grãos, terras e água.

De acordo com as tendências de consumo, a demanda por alimentos dobrará em meados deste século. No entanto, o aumento necessário na produção de alimentos deverá ser acompanhado por uma redução global de 90% na emissão dos gases de efeito estufa, se quisermos evitar uma catástrofe climática. E, como a agricultura contribui com cerca de um terço das emissões mundiais, ela não vai escapar aos cortes. O maior e mais urgente desafio que a Humanidade enfrenta está na seguinte pergunta: como alimentar 9 bilhões de pessoas sem contribuir para mudanças climáticas irreversíveis? É incrível, mas ninguém quer falar sobre isso.

A Oxfam – Oxford Committee for Famine Relief (Comitê de Oxford de Combate à Fome) organização fundada em Oxford, Inglaterra, em1942, debruça-se sobre a questão, todavia não encontrou uma resposta. Mas eu acredito que ela exista. Para alcançá-la é preciso realizar estudos e pesquisas sobre modelos de agricultura sustentável, regras justas para o comércio internacional, doações maciças e investimentos públicos expressivos para o setor agrícola e programas de proteção social, mudanças profundas na maneira como as pessoas consomem alimentos nos países ricos, e um acordo climático global justo que proporcione a redução das emissões necessárias e que ponha fim ao desmatamento.

Admito que isso parece mais uma lista de compras do que um programa de ação, mas de algo estou absolutamente seguro: se não resolvermos a fome de hoje, a catástrofe de amanhã está garantida.

José Augusto S. de Oliveira (Cabeça)
Técnico Agrícola
Especialista em Irrigação e Drenagem
Membro INOVAGRI
Filiado ABID
Colaborador GREENPEACE BRASIL

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