O físico James Trefil disse que a mecânica quântica é uma “região do universo onde o cérebro humano simplesmente não consegue se sentir confortável”. E esse desconforto se dá porque a natureza, em escala microscópica, responde a leis que desafiam nossa compreensão da realidade macroscópica. Entre esses comportamentos estão a superposição (uma partícula pode estar em diferentes estados ao mesmo tempo, como o gato de Erwin Schrödinger vivo e morto) e o emaranhamento à distância ou ação fantasmagórica, como Albert Einstein descreveu o princípio que permite separar partículas e remotamente responder instantaneamente e comportar-se como um único sistema. Um experimento espetacular que desafia a velocidade da luz, publicado nesta quarta-feira na Natureza por uma equipe internacional de cientistas, liderada pelo ETH (Instituto Federal Suíço de Tecnologia) em Zurique, com a colaboração das entidades espanholas ICFO (Instituto de Ciências Fotônicas) e Quside, demonstra pela primeira vez essa ação fantasmagórica em sistemas separados por 30 metros e com circuitos supercondutores, os sistemas mais comuns em computação quântica.
Esse experimento mais uma vez contradiz Einstein, que considerava o emaranhamento quântico impossível. O físico defendia que cada partícula tem certas propriedades em seu ambiente, que uma ação sobre ela é gerada em determinado local e suas consequências são transferidas (localismo). Contra essa teoria, a física quântica mostrou que duas partículas emaranhadas compartilham um único estado unificado, embora, como no caso do experimento de Zurique, estejam separadas por 30 metros.
Para Einstein, era totalmente inaceitável que algo feito em um lugar tivesse um efeito instantâneo em outro lugar. Mas John Bell mostrou em 1964 que isso acontece, que o emaranhamento quântico existe. Desde então, experimentos nesta propriedade se sucederam e as descobertas neste campo por John Clauser, Alain Aspect e Anton Zeilinger lhes renderam o Prêmio Nobel em 2022.
Uma das maiores conquistas do experimento publicado nesta quarta-feira é que uma prova do teorema (ou inequações) de Bell foi executada sem brechas, um termo em inglês que na física quântica se traduz como brechas. Essa ausência de fugas se refere ao fato de que tudo acontece exatamente como a física quântica prevê, que a comunicação entre partículas não tem sido possível nem responde a meras estatísticas.
Um experimento do qual participou o físico espanhol Adán Cabello, da Universidade de Sevilha, obteve resultados nesse sentido com íons itérbio e bário (Avanços da ciência) faz um ano. Mas pesquisas recentes aumentam a complexidade usando dois qubits supercondutores emaranhados em temperaturas próximas do zero absoluto (-273,15 °C) e separados por 30 metros.
Desafiando a velocidade da luz
Medições simultâneas dos dois qubits produziram resultados consistentes sobre o estado, uma resposta sincronizada consistente com a ação fantasma à distância ou emaranhamento. Para demonstrar a ausência de brechas, que a coordenação dos estados não se devia a sinais enviados entre os qubits, foram feitas medições aleatórias em 17 nanossegundos, o tempo que a luz leva para percorrer cinco metros. A medição completa exigiu outros 62 nanossegundos (o tempo para a luz atingir 21 metros). Como os dois sistemas estavam separados por 30 metros, a comunicação entre eles era impossível.
A pesquisa é fundamental não apenas porque é uma demonstração da física quântica, mas porque tem aplicações práticas. Morgan W. Mitchell, professor da Instituição Catalã de Pesquisa e Estudos Avançados (ICREA) do ICFO e coautor do estudo, explica que “com os computadores clássicos, é comum que haja computação na web e que os resultados cheguem até você dispositivo doméstico”. “Para fazer algo equivalente com computadores quânticos”, acrescenta, “precisamos comunicá-los e não será por bits clássicos. Tem que ser por bits quânticos e esse emaranhamento é a maneira mais eficiente de fazer isso.”
“Essa pesquisa mostra que esse tipo de experimento pode ser feito com supercondutores, os sistemas usados pelo Google ou pela IBM. Outros sistemas que foram usados foram com um par de partículas. Mas esse experimento criou um emaranhado entre um grande número de elétrons neste local e um grande número de elétrons em outro local. É a primeira vez que isso se consegue sem fuga”.
Formulários
Os resultados permitem, segundo Mitchell, “avançar na computação distribuída, com vários computadores em vários lugares”. “É uma meta de longo prazo que não veremos de imediato, mas esse experimento mostra que é viável”, conclui.
Carlos Abellancoautor da pesquisa, doutor em fotônica pelo ICFO e cofundador e diretor executivo da Quside (empresa de componentes quânticos que têm sido utilizados no experimento), destaca que, além do salto qualitativo na demonstração experimental ao elevar os sistemas a qubits supercondutores, o trabalho significou “criar uma tecnologia espetacular e única que conseguiu demonstrar a sincronização de duas partículas com velocidade sem precedentes”.
O experimento exigiu a geração de números aleatórios quânticos (QRNG) e sua “extração” em uma velocidade extraordinariamente rápida (17 nanossegundos) para descartar qualquer possibilidade de comunicação entre os qubits. “Tivemos que desenvolver uma engenharia completamente nova para poder gerar os números aleatórios de forma que pudéssemos fazê-lo antes que a informação chegasse ao outro lado. Precisávamos dobrar a velocidade dos sistemas utilizados anteriormente”, explica Abellán.
“O que fizemos foi, em vez de usar um dispositivo e fazer as contas, colocamos oito dispositivos em paralelo em sincronia e combinamos o sinal. Dessa forma, usamos 16 geradores de números aleatórios e conseguimos dobrar a velocidade. Se tivéssemos levado 19 nanossegundos em vez de 17, o experimento não teria valido”, acrescenta.
Dessa forma, o experimento demonstra que informações quânticas podem ser transmitidas entre circuitos supercondutores separados e alojadas em sistemas criogênicos, ou seja, é demonstrado que isso acontece e em sistemas já disponíveis para computação quântica. Mas resta explicar por que isso acontece, por que dois sistemas separados se comportam como se fossem um só. “É uma questão para a filosofia, muito difícil. Você pode perguntar a 10 físicos diferentes e obterá 10 respostas diferentes. É um mistério que outras gerações terão que resolver. Mas o que podemos dizer com esses experimentos é que realmente existe”, diz Mitchell.
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Com informações do EL Pais / Tecnología
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