Apesar de ter mais de 50 anos de existência, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) só teve seu marco legal [Lei 11.947] sancionado em 2009, graças à mobilização da sociedade civil, sobretudo por meio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A disputa travada no Senado não foi fácil, devido à força de setores privados das indústrias de alimentos, refeições coletivas e da bancada ruralista que tentaram, mais uma vez, monopolizar o mercado institucional da alimentação escolar.
O PNAE tem servido de exemplo para outros países, como São Tomé e Príncipe, na África, onde os produtos locais, como o leite de cabra, estão sendo reincorporados ao sistema alimentar de modo a favorecer gerações que foram acostumadas a consumir produtos importados. Mas, por outro lado, existem desafios. A lei de alimentação escolar traz uma estratégia de segurança alimentar e nutricional proporcionando a oportunidade de aproximar os circuitos de produção e consumo. É uma política que tem muitas potencialidades, tanto para a agricultura familiar quanto para a agroecologia. O programa é também uma oportunidade para identificar bloqueios na ponta do acesso dos agricultores às políticas públicas.
A questão da comercialização é muito importante, mas não pode andar sozinha. É necessário políticas voltadas para o financiamento da produção, e que essa forma de financiamento seja adequada a um modelo de produção sustentável com base na agroecologia. Um modelo de financiamento acessível para as mulheres, os extrativistas, os quilombolas, indígenas, da mesma forma que a assistência técnica vá também em direção à agroecologia.
Um dos principais problemas identificados por especialistas do tema, movimentos sociais e agricultores é a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que viabiliza a inserção dos agricultores familiares a qualquer política pública. O entendimento é que da forma que está estruturada ela dificulta o acesso às documentações para entrar no programa, sobretudo para mulheres, quilombolas, indígenas, etc. Outra questão é como desvincular o acesso de políticas de comercialização, como o PAA e o PNAE, do acesso ao crédito. É preciso pensar outro instrumento que identifique os agricultores familiares, e que os habilite a acessar programas como estes sem regras tão restritivas. A DAP é da família e não da pessoa.
Há também uma tradição longa no Brasil de compra centralizada através de licitação, o que acaba favorecendo as grandes empresas. Daí a importância da chamada pública, que possibilita a compra da agricultura familiar. Mas ainda há dificuldade de entender essa diferenciação, pois a lógica dos editais passa a ter uma seleção que não vai ao encontro do menor preço, como de costume. O modelo do PAA, com um preço de referência tabelado, faz com que os alimentos que chegarão às escolas sejam definidos pela questão da segurança alimentar e do desenvolvimento local, por exemplo, pautados pela agroecologia.
Mesmo com todas as dificuldades, o PNAE mostra como os agricultores e agricultoras familiares brasileiros têm uma grande capacidade de responder aos estímulos de políticas públicas minimamente adaptadas às suas realidades. A evolução do programa certamente vai encher de orgulho milhares de famílias agricultoras que terão mais oportunidade de fornecer comida boa para estudantes da rede pública, contribuindo para a promoção da segurança alimentar e nutricional por esse Brasil afora.
Alimentação escolar
José Augusto S. de Oliveira (Cabeça)
Técnico Agrícola
Esp. Irrigação e Drenagem
Filiado ABID
Membro Inovagri
Colaborador Greenpeace Brasil