Abuso de autoridade

Falta de lei específica reforça abuso de autoridade no Brasil

Geral

Dois casos envolvendo juízes que mandaram prender trabalhadores em situações corriqueiras ganharam destaque na mídia nas últimas semanas e aumentaram o debate sobre o que pode ser considerado abuso de poder. No entanto, nem a legislação tem uma definição concreta sobre os limites de atuação de um magistrado fora do tribunal. Sem uma regra clara, o abuso de autoridade ganha fôlego no País.
Não há nenhuma lei específica que determine em quais situações o juiz pode ou não dar voz de prisão. O que a legislação brasileira prevê é que qualquer cidadão pode mandar prender quem estiver flagrantemente cometendo um crime. No caso de um juiz, isso é uma obrigação.

E quando o abuso de autoridade leva à prisão um funcionário no exercer de seus deveres?

Na última segunda-feira (8), um magistrado deu voz de prisão a funcionários da companhia aérea TAM, entendendo ser um crime o fato de ter sido impedido de embarcar depois de chegar atrasado e perder o voo no aeroporto de Imperatriz (MA). O juiz deu voz de prisão ao rapaz e a mais dois funcionários que tentaram defender o colega. Os três foram levados para a delegacia acusado de cometerem crime contra o consumidor.
No Rio de Janeiro, um caso de 2011 voltou à tona em novembro deste ano, quando uma agente de trânsito foi condenada a pagar R$ 5.000 por danos morais a um juiz. O magistrado foi parado em uma blitz da Lei Seca, sem carteira de motorista, mas deu voz de prisão à agente por desacato. A alegação é de que ela teria sido irônica ao dizer que o magistrado era juiz, mas não era Deus.
De acordo com o especialista em processo penal David Rechulski, a voz de prisão apenas se justifica em situações concretas de crime. Ele alerta que, quando o ato não é criminoso, a determinação pela prisão pode ser considerada abuso de poder.
— A grande questão nesse caso é o julgamento de que a pessoa está cometendo um crime. Nessa questão do aeroporto, por exemplo, o funcionário não estava em nenhuma situação de flagrância, não caracteriza crime nem contra o consumidor, nem nenhum outro crime dentro do ordenamento jurídico. Se não configura crime, configura abuso de poder.
Conduta do juiz
A carreira de juiz é regulamentada por dois dispositivos jurídicos que estabelecem normas administrativas, como remuneração, aposentadoria, férias, e as condutas esperadas dos magistrados, de cortesia, integridade pessoal e profissional.
Mas a legislação prevê apenas procedimentos genéricos. O Código de Ética da Magistratura, por exemplo, estabelece que “o magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social”.
Já a Lei Orgânica da Magistratura Nacional é ainda mais ampla e diz apenas que o juiz deve “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.” Como a legislação não define condutas que sejam consideradas ilegais, a interpretação fica a cargo do juiz.
Punição
A OAB-MA (Ordem dos Advogados do Brasil no Maranhão) considerou a ação do juiz do Estado autoritária e entrou com uma representação contra ele no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Essa é a forma de punir administrativamente o magistrado, que, após a análise do CNJ, pode ser afastado, por exemplo.
Mas, criminalmente, é raro que uma autoridade seja punida por abuso de poder. A lei de abuso de autoridade foi criada na década de 1960, durante a ditadura militar. Segundo o advogado Rechulski, as penas previstas são irrisórias.
— É uma lei que vem da época da ditadura, sempre teve uma pena inócua, e o procedimento para o processo é complicado, por meio de uma ação penal privada. Eu tenho 25 anos de advocacia e nunca vi ninguém ser condenado por abuso de autoridade.
O especialista em processo penal Rafael Garcia destaca ainda o problema do corporativismo. Como os juízes serão julgados por juízes, existe uma proteção. Para ele, a única forma de reprimir o abuso de poder de magistrados é por meio das sanções administrativas.
— Quase nunca o juiz vai ser acusado de abuso de autoridade. Ele pode até ser julgado, mas não vai ser condenado a nada, vai alegar que tinha um motivo para a voz de prisão, e existe uma espécie de corporativismo. Eles [juízes] se protegem. Daí a importância do CNJ, esse é o melhor controle que se pode ter.
Fonte: Portal R7

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