Na recepção aos estrangeiros, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que os profissionais formados no exterior não disputarão mercado com os médicos brasileiros.
A representante do governo cubano, a vice-ministra da Saúde, Marcia Cobas, reforçou: "Queremos ir aos lugares onde a população mais precisa, onde não tem médico", disse. "Cuba é um país sem muitos recursos naturais. Nossos recursos são homens e mulheres que se preparam com conhecimento para tratar do nosso povo e do povo que precisa."
Do ponto de vista financeiro, os médicos cubanos que vieram ao Brasil pelo programa Mais Médicos continuarão a receber o salário integral que ganham em seu país de origem, além de um bônus por participar de missões externas, esclareceu ontem Padilha. Marcia Cobas disse que os profissionais do país recebem 100% de seus salários. Na realidade, isso significa que eles continuarão a receber o salário do governo cubano, e não o valor integral da bolsa do programa brasileiro, de R$ 10 mil.
Perguntado se o salário dos profissionais cubanos é compatível com o custo de vida no Brasil, Padilha disse "não sei" e emendou que é compromisso dos municípios garantir moradia e alimentação para esses profissionais. "O Ministério da Saúde acompanhará isso de perto, para que profissionais tenham tranquilidade para atender bem a população."
Crime
Padilha disse também que repudia e lamenta veementemente a declaração do presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, que recomendou que os brasileiros não socorram erros de profissionais cubanos – ele recuou da declaração após repercussão. "Não sei em qual juramento ele se baseou para fazer essa declaração. É omissão de socorro e é afronta ao código de ética médica. Nenhum profissional pode se negar a atender ou socorrer qualquer brasileiro."
Questionado sobre a possibilidade de conselhos regionais entrarem com ação para não serem obrigados a conceder registro provisório aos estrangeiros que não fizerem a prova de revalidação do diploma, Padilha disse que a lei deve ser cumprida. "Medida Provisória é lei e lei tem de ser cumprida. Temos segurança jurídica sobre esse programa. A MP estabelece claramente as regras", afirmou.
Sobre os relatos de que os estrangeiros não estariam hospedados em boas condições, Padilha disse que os alojamentos, de responsabilidade do Ministério da Defesa, podem ser alterados. "Estamos programando deslocamento dos profissionais para que fiquem bem acomodados."
‘Não sintam vergonha de não falar português’, diz Padilha
No dia em que profissionais estrangeiros do Mais Médicos começaram a ter seus conhecimentos de língua portuguesa avaliados, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, usou o próprio exemplo para dizer que o domínio do idioma não é necessário para exercer a medicina. O mais importante, segundo ele, é a experiência e a vontade de ajudar. "Eu atendi vários povos indígenas e até hoje não sei uma língua indígena", afirmou.
"Vocês não se envergonhem de não falar. Às vezes, alguém pode pensar ‘eu não falo tão bem português’, mas aproveitem aqui para falar", disse o ministro, durante a recepção a 199 médicos estrangeiros em Brasília. Padilha mostrou até foto do período em que atuou no interior do Pará. "Esse aí sou eu, e não tinha cabelo branco. Ser ministro da Saúde dá mais cabelo branco do que trabalhar no interior da Amazônia", brincou.
Os 682 médicos formados no exterior começaram ontem a avaliação do idioma e sobre o sistema de saúde do Brasil. O período de testes vai durar três semanas em Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio, Salvador e São Paulo. Os aprovados chegam às cidades em 16 de setembro.
Antropologia. No Rio, os diplomados no exterior tiveram contato com a diversidade da cultura brasileira pelo olhar do antropólogo Darcy Ribeiro. Os 88 profissionais (brasileiros formados no exterior, portugueses, argentinos, espanhóis, uma russa e um egípcio) assistiram a quatro episódios do documentário Povo Brasileiro, sobre a formação da identidade nacional.
Eles também ouviram as linhas gerais do programa. Cada médico diplomado no exterior terá um tutor, um médico ligado a uma universidade federal, a quem poderá recorrer. Também farão um curso a distância de atenção básica. A formação exigirá dedicação diária de 2 horas. Os médicos não sabem, no entanto, se essas duas horas serão descontadas da carga horária de trabalho de 8 horas diárias.
Os médicos estão alojados no Centro de Educação Física da Marinha (Cefam), na Penha, zona norte, a 15 km do Centro Cultural Banco do Brasil, no centro, onde assistem às aulas. "É uma instalação militar, não é um hotel. Mas é confortável", afirmou o português Miguel D’Agorreta, de 70 anos.
Em Pernambuco, o treinamento foi aberto com poesia de cordel. Muitos garantiram ter entendido a mensagem, embora não tenham domínio de todas as palavras. A rotina se repetirá nos próximos 21 dias. Alojados em unidades do Exército, no Recife, acordam às 5 horas e, às 6h30, seguem para Vitória de Santo Antão, a 50 km da capital. Têm aula das 8 às 18 horas e retornam ao alojamento.
Enquanto os cubanos disseram ter aprovado as acomodações e a alimentação nas dependências do Exército, o espanhol Bladimir Quintan Remedios, de 49 anos, reclamou da comida e do pequeno espaço, que não dispõe de mesa para estudo. "De manhã é leite com aveia, e no almoço é feijão e frango frito." O tempero? "Militar", disse entre risos.
TCU vai avaliar legalidade de acordo com Cuba
Após encontro ontem com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, afirmou que o formato de contratação "é uma questão singular, incomum". O órgão abrirá processo para avaliar a legalidade do acordo firmado entre o governo federal e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para trazer médicos cubanos.
Uma diligência foi realizada no ministério e, nos próximos dias, toda a documentaç&atild
e;o do convênio será encaminhada ao TCU. Os ministros levantaram preocupações com questões trabalhistas. Nardes disse que os técnicos analisarão a economicidade e a legalidade do contrato.
Padilha afirmou que o objetivo é aprimorar o programa. "O que nos move é levar médicos para a população que não tem. Vamos usar todas as estratégias na lei."
Kirenia Rodriguez: ‘Meu salário é em Cuba, com o governo’
A médica cubana Kirenia Rodriguez, de 32 anos, faz parte da leva de 682 profissionais formados no exterior que participam do programa de treinamento nas próximas três semanas. Kirenia ficará em Brasília, com outros 175 profissionais vindos de Cuba, enquanto se prepara para seguir para o município onde vai atuar no programa Mais Médicos.
Por que a senhora resolveu participar do programa brasileiro e para qual cidade vai?
Eu ainda não sei para qual região eu vou, mas isso não importa. O importante é a solidariedade e levar saúde ao brasileiro. Estou muito feliz, é para isso que eu vim.
Qual será o maior desafio aqui no Brasil?
O mais importante é trabalhar e integrar o sistema de saúde brasileiro.
A senhora teve experiência em outros países, além de Cuba? Já atuou em regiões carentes?
Eu fiquei na Venezuela durante quatro anos e trabalhei lá na região amazônica. Era muito parecido. O importante é ajudar.
E a sua família?
Meu pai, minha mãe e meu marido, que é engenheiro, ficaram em Cuba. Está tudo bem.
Os cubanos são os únicos profissionais que não vão receber o valor integral da bolsa. Isso a incomoda?
Nenhum problema. Estou tranquila. Meu salário é em Cuba, com o governo cubano (ela não quis informar o valor que receberá pelo trabalho).
O chefe de um conselho regional de Medicina afirmou que não atenderia pessoas que tivessem sido tratadas por cubanos, caso houvesse algum problema. Isso a assusta?
Não. Eu fico tranquila. Eu vim aqui para trabalhar.