"A cobertura da grande mídia fica restrita ao helicóptero, ao gabinete, mas hesita na hora de apontar a câmera para o lugar certo. Acho que a Mídia Ninja chegou para quebrar essa narrativa tradicional", afirmou Bruno Torturra, um dos fundadores do coletivo, em entrevista à Agência Efe.
"Sofremos a violência que todo manifestante sofre. Respiramos gás, fugimos de bala de borracha. Mas não fazemos disso nossa bandeira. Não queremos ser diferentes dos demais. Aliás, somos muito bem recebidos pelos manifestantes. Nossa chegada é sempre festejada e muitos se dispõem a ajudar, formando uma equipe de apoio espontânea", explicou Torturra.
Talvez ainda seja cedo para dizer se o estilo "ninja" de jornalismo será ignorado ou assimilado pelos grandes jornais e revistas, mas atualmente são visíveis as diferenças nos métodos de cobertura dos protestos.
Segundo Torturra, jornalista de 34 anos que foi diretor de redação da revista "Trip", os equipamentos usados pelos "ninjas" muitas vezes não passam de câmeras de mão e celulares ligados a um laptop com modem para transmitir o que acontece ao vivo. A ideia, porém, é melhorar a qualidade técnica e a diversidade temática das coberturas. A iniciativa de criar a Mídia Ninja, conta ele, surgiu "com poucas pessoas discutindo a formação de uma rede de jornalismo integrado, não só como alternativa à mídia tradicional, mas também como opções para jornalistas sem mercado".
Nas redes sociais, é possível constatar como o público, principalmente os jovens, prefere acompanhar as transmissões dos "ninjas" em detrimento dos jornais e canais de TV tradicionais, que ainda parecem pisar em pedras na hora de lidar com esse novo fenômeno de comunicação.
"Sofremos a violência que todo manifestante sofre. Respiramos gás, fugimos de bala de borracha. Mas não fazemos disso nossa bandeira. Não queremos ser diferentes dos demais. Aliás, somos muito bem recebidos pelos manifestantes. Nossa chegada é sempre festejada e muitos se dispõem a ajudar, formando uma equipe de apoio espontânea", explicou Torturra.
NINJAS NA PRISÃO
Na última segunda-feira, durante a recepção ao papa Francisco no Palácio Guanabara, sede do governo do Rio de Janeiro, dois "ninjas" foram presos durante a cobertura de um protesto contra os gastos públicos realizados para receber o pontífice. Filipe Gonçalves de Assis e Filipe Peçanha foram levados para a 9ª DP inicialmente sob a acusação de incitar atos de vandalismo.
Pouco tempo depois, manifestantes se concentraram em frente à delegacia e passaram a gritar palavras de ordem contra o governador Sérgio Cabral e o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Os dois "ninjas" acabaram liberados, depois de cerca de duas horas detidos.
"Ao sair, senti milhares de pessoas vibrarem. A fusão entre a rede a rua se mostrou mais clara. Eles tentaram derrubar nossa transmissão ao deter um, dois, três NINJAS. Mas eles não entenderam que não é uma câmera, um repórter… é uma rede. Podem até derrubar um. E assim surgem outros mil", escreveu Peçanha no perfil do grupo no Facebook.
COMO COMEÇOU
Os membros da Mídia Ninja faziam parte de diferentes grupos militantes, a maioria do Movimento Fora do Eixo, coletivo cultural fundado em 2005 por produtores interessados em promover músicos além do mercado Rio-São Paulo, e um dos primeiros projetos a sair do papel foi a "Pós TV", lançada em junho de 2011, após o sucesso das transmissões das marchas da Maconha e da Liberdade em São Paulo.
A tecnologia do ‘streaming’ da "Pós TV" serviu como plataforma da primeira cobertura da Mídia Ninja no Fórum Social Mundial deste ano na Tunísia. Após o sucesso da empreitada, o grupo se preparava para convocar mais colaboradores, não necessariamente jornalistas, para discutir seu futuro, mas os planos foram mudados com a realização de uma grande manifestação na capital paulista no dia 13 de junho.
"O grupo foi às ruas e começou a cobrir a manifestações e testemunhar a violência policial. Nesse momento a ‘Pós TV’ virou o espaço de divulgação da Mídia Ninja e uma espécie de canal oficial dos protestos", contou Torturra à Efe.
A essa manifestação pela diminuição das tarifas se seguiram outras com as mais variadas reivindicações, mas tendo em comum a insatisfação com a gestão de recursos públicos, e em quase todas elas, em todos os cantos do país, havia algum "ninja" registrando os protestos populares.
"O núcleo duro do grupo começou com oito pessoas e hoje contamos com entre 25 e 30 em todo o país. É difícil ainda dar um número exato de colaboradores. O que é possível dizer que é nesse período de pouco mais de 30 dias pelo menos 100 pessoas foram ‘ninjas’ por um dia, enviando fotos ou vídeos", declarou Torturra.
QUEBRA DA NARRATIVA TRADICIONAL.
Apesar de o termo "ninja" poder passar a ideia da necessidade de habilidades marciais para filmar e fotografar de perto as manifestações em meio às bombas de gás e balas de borracha invariavelmente disparadas pela polícia, o grupo ressalta que o nome vem da abreviação livre de "Narrativas Independentes Jornalismo e Ação".
Essa proposta de quebra da narrativa tradicional dos grandes meios de comunicação chegou ao campus da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em uma reunião aberta promovida pelos "ninjas" e que foi inclusive acompanhada e registrada por jornais e canais de televisão da mídia convencional, como pôde constatar a Agência Efe no local.
Bruno Guimarães, do grupo Central das Passeatas, afirmou na reunião que o grupo serve como uma espécie de "proteção" para os demais manifestantes, já que os "ninjas" registram tudo, e as imagens "podem ser usadas como prova de alguma ação truculenta e desmedida da polícia&
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Já a professora de comunicação da UFRJ, Ivana Bentes, destacou no encontro que o surgimento da Mídia Ninja traz um questionamento para a comunidade acadêmica.
"Onde foi que erramos? A última novidade do jornalismo brasileiro foi o ‘Pasquim’, que usava a linguagem das pessoas nas ruas. Ao transmitir os protestos ao vivo, os ‘ninjas’ mostram o que as pessoas estão fazendo e sentindo naquele momento", declarou.
"Serve como uma espécie de formação para o jornalista que também participa da notícia. É possível construir uma rede de jornalismo e ativismo que seja financiada diretamente pelo público", acrescentou Ivana.
COMO FINANCIAR NINJAS?
O financiamento, aliás, é ponto de debate entre os "ninjas" que pretendem seguir fazendo coberturas indepedentes, sem o apoio da iniciativa privada e sem dinheiro do governo. E, para tanto, pretendem lançar em breve um portal para ter mais liberdade e não depender tanto de redes sociais como Facebook e Twitter.
"Por enquanto, tudo foi feito com o dinheiro dos próprios envolvidos e com a ajuda da infraestrutura de coletivos parceiros. A ideia é lançar em breve um crowdfunding para arrecadar dinheiro para comprar equipamentos. Mas a ideia é, após o lançamento do site, pensar em novos modelos de financiamento", explicou Torturra.
"HERÓI DO JORNALISMO"
Na reunião aberta na UFRJ, chamou a atenção o testemunho de um jovem que se identificou apenas como fotógrafo de um grande jornal carioca e revelou que, durante o casamento de Beatriz Barata, neta de Jacob Barata, empresário do ramo de transportes, transmitiu fotos para seus patrões e, ao mesmo tempo, para o perfil no Facebook da Mídia Ninja.
"Se a bateria do Ninja não morrer, eu não durmo esta noite", escreveu no Twitter, por sua vez, Jorge Pontual, correspondente da Rede Globo em Nova York, ao se referir à transmissão ao vivo das manifestações de São Paulo feita pelo grupo na madrugada de 19 de junho.
"Muito boa a cobertura da ‘Pós TV’, mostra o papel importante da internet. Complementa bem a cobertura das redes de TV", acrescentou Pontual na rede social, onde depois postou vários links para seus seguidores acompanharem as transmissões ao vivo dos "ninjas".
Dois dias depois, o mesmo jornalista de uma das redes de televisão mais criticadas nos protestos cobertos pelo coletivo de jornalistas independentes, endossou sua opinão no microblog: "Ninja, você é um herói do jornalismo".
"Eu não quero que os grandes jornais acabem. Espero que eles enxerguem nisso tudo uma oportunidade de repensar. Repensar os meios econômicos e ideológicos que os guiam e fazer uma cobertura de qualidade, transmitindo exatamente o que sentem as pessoas na rua", opinou Torturra.
Talvez ainda seja cedo para dizer se o estilo "ninja" de jornalismo será ignorado ou assimilado pelos grandes jornais e revistas, mas atualmente são visíveis as diferenças nos métodos de cobertura dos protestos.
"Os ninjas estão em campo quando os repórteres das grandes TVs e jornais já foram dormir", resumiu Ivana Bentes.