Com a recente escalada das tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, o sistema de pagamentos instantâneos Pix entrou na mira dos EUA e se tornou um dos principais focos de uma investigação iniciada pelo governo norte-americano. A apuração, impulsionada pelo presidente Donald Trump, levanta preocupações sobre alegadas práticas comerciais desleais do Brasil que poderiam prejudicar empresas americanas no setor de pagamentos digitais.
Pix na mira dos EUA
O Escritório do Representante do Comércio dos EUA (USTR) argumenta que o Brasil estaria favorecendo serviços de pagamento desenvolvidos pelo governo, como o Pix, de maneira desleal. A alegação é que essa plataforma nacional receberia um tratamento privilegiado, impactando negativamente a competitividade de gigantes americanas que atuam no comércio digital e em serviços de pagamento eletrônico, como Google Pay, Apple Pay, Visa e Mastercard.
Desde seu lançamento em 2020 – embora os estudos tenham começado em 2018 –, o Pix revolucionou o sistema bancário brasileiro ao permitir transferências ilimitadas e gratuitas para pessoas físicas, além de custos baixos para empresas. Isso fez com que bancos perdessem receita e retirou força de modelos de pagamento baseados em cartão, ameaçando a arrecadação de tarifas e o espaço de mercado das operadoras americanas. A preocupação se intensifica à medida que o Pix serve de inspiração para iniciativas semelhantes em outros países.
Pirataria | Rua 25 de Março sob holofotes
Além do Pix estar na mira dos EUA, a investigação americana aborda a questão da pirataria no Brasil, mais precisamente na 25 de Março. O relatório do USTR critica a famosa rua 25 de Março, em São Paulo, conhecida por ser um centro de comércio de produtos falsificados. O documento aponta que o Brasil não tem adotado medidas eficazes para combater a importação e venda de itens falsificados, como consoles de jogos alterados e dispositivos de streaming ilegais, destacando a falta de penalidades adequadas e a ineficiência na fiscalização. A incapacidade do Brasil em combater a pirataria de conteúdos protegidos por direitos autorais, inclusive na 25 de Março, teria um impacto negativo na adoção de canais legítimos de distribuição, afetando diretamente trabalhadores americanos.
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Defesa Brasileira e Contexto Geopolítico
O governo brasileiro, sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, reagiu às acusações de Trump. A Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) publicou um recado nas redes sociais: “O Pix é nosso, my friend”, afirmando que o sistema de transações estaria causando um “ciúme danado” nos EUA por ser “Seguro, Sigiloso e Sem taxas”. Geraldo Alckmin, por sua vez, defendeu o Pix e sinalizou a busca por uma “negociação urgente” sobre o “tarifaço” de Trump.
Especialistas no setor também veem a investigação sob uma ótica mais ampla. Para Fred Amaral, CEO da Lerian, a apuração reflete menos uma preocupação com “práticas desleais” e mais uma disputa pela liderança no setor de pagamentos digitais, uma vez que o Pix “mostrou que é possível ter um sistema público eficiente sem fechar o mercado para a iniciativa privada”. Marcelo Crespo, especialista em Direito Digital, classifica as críticas como “infundadas” e de motivação mais política do que jurídica, reacendendo debates sobre soberania digital, proteção de dados e interesses econômicos globais. Ele reforça que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que também entrou na mira americana como uma suposta “barreira desleal”, aplica-se igualmente a todas as empresas e é um “instrumento legítimo de proteção de direitos fundamentais e de soberania digital, alinhado às melhores práticas internacionais”.
Outro ponto que acende o alerta dos EUA é a ambição do Banco Central do Brasil de internacionalizar o Pix, que já é aceito em alguns estabelecimentos na Argentina, em cidades dos EUA e em Portugal. A perspectiva de um Pix Internacional poderia substituir sistemas caros e lentos, como o SWIFT, em grande parte controlado pelos EUA, o que reduziria o controle americano sobre o fluxo financeiro global e até ameaçaria a supremacia do dólar em negociações entre países, especialmente no contexto do Brics.
A velocidade do Pix também gera desconfiança nos Estados Unidos sobre a facilidade de rastrear golpes e movimentações suspeitas, como lavagem de dinheiro, mesmo com o Brasil possuindo regras e mecanismos de segurança para evitar tais crimes.
A investigação comercial americana sobre o Brasil é abrangente, avaliando ainda outras áreas como comércio eletrônico, tecnologia, tarifas de importação, ausência de práticas anticorrupção, acesso ao mercado de etanol, desmatamento ilegal e discriminação no comércio. A situação ilustra uma disputa que transcende a segurança e tecnologia, tocando em poder econômico e influência global.

